quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Um depoimento: GOLPE D'ASA

A Golpe d’asa estará no começo do mês que vem, Novembro, à disposição de quem a quiser receber. Uma das questões colocadas por António Guerreiro no primeiro encontro destas Poéticas Contemporâneas respeitava à razão de se fazer mais uma revista de poesia quando existe um número significativo delas. Uma questão provocatória, claro, talvez para testar os meus nervos, emissária de uma revista que nem sequer podia ser comprovada nem, algo importante, confrontada. Presumo que, à minha semelhança, também António Guerreiro achará que em termos de publicação de poesia nada será em demasia, apenas é em demasia o que é mau e, aí, nem de poesia poderá ser chamada. É qualquer coisa de gato em vez de lebre, de maruca em vez de pescada, mas que não enganará o palato dos leitores experimentados, dos que conhecem os prazeres do deleite e rejeitam as torturas do embuste.
Em jeito de síntese, tentei expressar em que medida é que a revista poderá constituir uma novidade e em que aspectos se aproxima de outras. Em suma e por objectivos axiais, pretende recuperar alguns poetas do passado recente que tenham, no nosso entender e contando sobretudo com a nossa sensibilidade à aragem do tempo, caído em esquecimento ou que para lá caminhem; por outro lado, está atenta à escrita dos novos autores. Sei que existem revistas que desempenham este papel de divulgadoras e, até mesmo, de catapultadoras de autores completamente inéditos. Sendo Portugal um país relativamente pequeno e sendo ainda mais pequeno o acaso de nascer uma poeta ou um poeta, não nos poderemos dar ao luxo de cairmos no ridículo de pretendermos que tenham ocorrido cópulas providenciais. Bastar-nos-á, como disse, publicar novos poemas de autores que vão sendo conhecidos, vão sendo lidos. Se o acaso nos conceder encontrar um novo nome que mereça a nossa atenção, então estaremos a cumprir o papel que tradicionalmente é atribuído às revistas.     
O que me parece de maior novidade, e sem me querer alongar muito, é a geminação de textos críticos aos novos ou éditos poemas, arriscando, não raras vezes, primeiras leituras sobre a escrita de autores que ainda não têm lastro crítico ou que, no caso dos éditos, saíram do foco, estão a sufocar nos fundos de catálogos, nas catacumbas das bibliotecas ou, ainda mais revoltante, nas casas dos poetas que ainda estão vivos mas que a voracidade deste mundo editorial julga ter conseguido passar atestados de óbito. Para além disto, terá um caderno central por número, dedicado à razão de novo/provecto autor, alternadamente, entre outras coisas que poderão a seu tempo ler.
A questão da necessidade de haver mais intervenção crítica foi pertinentemente colocada e discutida em conjunto com o auditório. Longe de nós considerarmo-nos arautos dessa necessidade, mas tentaremos contribuir na medida das nossas possibilidades. É uma questão que pessoalmente me diz muito. Contra mim mesma falo, que durante anos fui uma leitora politicamente passiva – este advérbio corresponde ao meu entender de intervir activamente na coisa pública. Os leitores demitem-se, salvo raras excepções. E eu tenho-me cruzado, felizmente, com óptimos leitores de poesia que me têm proporcionado momentos de conversa estimulantes, encantadores, instigantes. A poesia deveria ter dois momentos de leitura: a íntima e a pública, para que ela cumpra o seu objectivo de ir mudando o mundo de forma mais consciente e a luta não se faça só pelo necessário naufrágio mas também pelo sufrágio, pelo direito à palavra de leitor, pela debate de ideias, de sentimentos, de gostos. Talvez encontre aqui a resposta à pergunta inicial: porque razão? Por isto só, por se abrir mais um café, entre outros que já existem, onde possamos votar o nosso tempo, publicamente, à poesia.

Ana Salomé

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